
O SAMBA DA MINHA TERRA
Comunidade
Samba da Vela
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No Samba da Vela, a música só para quando a vela se apaga. A roda, que acontece toda segunda-feira na Casa de Cultura de Santo Amaro, reúne compositores, músicos e simpatizantes do ritmo e é um dos Projetos de Samba mais conhecidos e importantes de São Paulo.
Criado em 2000, o projeto ganhou destaque no circuito cultural após a visita ilustre de Beth Carvalho, que se tornou madrinha da casa. Dedicado à música autoral, o Samba da Vela serviu - e ainda serve - de inspiração para inúmeras outras rodas da cidade.
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A história do Samba da Vela começou no Espaço Cultural Ziriguidum - ou Botequim Ziriguidum - um galpão com bar no fundo, localizado na Rua Dr. Antônio Bento, em Santo Amaro.
Chapinha, um cearense que sabia tudo de música, havia criado o botequim em 2000 e organizava sambas por lá, desde então.
Foi em um desses eventos que Paqüera, Maurílio Oliveira e Magnu Souza, juntamente com Chapinha, decidiram criar uma roda de samba às segundas-feiras.
A intenção era substituir JB Samba, um bar de partido-alto no Bixiga, tradicional pela música na segunda-feira. “Queríamos preencher a lacuna deixada pelo JB”, diz o sambista Chapinha.
O novo projeto do quarteto deveria seguir os mesmos moldes do JB: sambas tradicionais de nomes como Noel Rosa, Cartola, Adoniran e outros bambas. No entanto, a reunião marcada para afinar os últimos detalhes da roda acabou em samba e mudou os planos do grupo.
Durante o encontro, os quatro começaram a apresentar suas composições inéditas em tom descontraído. Só tocando o repertório próprio, acabaram virando a madrugada. O que era brincadeira virou ideia e os amigos decidiram que o novo projeto seria focado em sambas autorais.
“Eu falei, mano, a gente devia cantar o nosso samba ao invés de cantar o dos outros. Quem chegar chegou. O importante é cantar nossas composições, para nós mesmos. E, cara, isso foi uma coisa bacana. A melhor decisão que a gente tomou na vida”, contou Chapinha.
Casa nova
O Ziriguidum foi palco para a roda até o final de 2001. O galpão havia sido alugado por Chapinha e um reajuste de 100% no valor de renovação do contrato - que venceria em dois anos - inviabilizou a permanência o grupo. Faltando três meses para o fim do acordo, eles começaram a divulgar que estavam procurando um lugar mais barato para o bar.
O então coordenador da Casa de Cultura de Santo Amaro (CCSA), seu Adelino Osório, que sempre frequentava o Samba da Vela, soube da situação e convidou o grupo para tocar na Casa de Cultura.
A última roda de 2001 já aconteceu na CCSA, onde permanece até hoje. “A Casa de Cultura foi um lugar abençoado. Primeiro porque não pode vender bebida lá dentro, então não tem aquele boteco com gente fazendo barulho. É um ponto positivo ao nosso favor. Também tem a questão da arquitetura da casa, que é um dos melhores espaços para fazer música acústica que eu conheço”, explicou Chapinha.
Paquera
Jose Alfredo Gonçalves de Miranda, o “Paqüera”, presidente e um dos fundadores do Samba da Vela, morreu no dia 24 de julho de 2014, aos 55 anos. Ele estava hospitalizado e lutava contra um câncer. Muito querido, o músico é sempre lembrado nos encontros do Samba da Vela.
Acendeu a vela
A ideia para o nome Samba da Vela surgiu da simples necessidade de por fim ao evento todas as noites. A vela, colocada no centro da roda, funciona como cronômetro para os músicos. A música só pode parar quando a vela queimar - o que, geralmente, dura de duas horas e meia a três horas.
“O Paquera tinha uma empresinha na época e precisava acordar cedo. A gente tinha que pensar em como fazer para o samba parar por volta das 23h, 23h30. Aí começamos a discutir. Eu falei para comprar um despertador, o Magno sugeriu uma ampulheta e o Maurílio sugeriu um galo, que não tinha nada a ver. O Paquera, que sempre foi o dono das ideias inusitadas e iluminadas, teve a feliz ideia de sugerir uma vela. E estamos assim até hoje”, relembrou Chapinha.
A vela virou símbolo da roda e desde o dia 17 de julho de 2000, a segunda-feira em que a primeira delas foi acesa, segue inaugurando e iluminando todas as criações do Samba da Vela.
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Madrinha
A famosa sambista Beth Carvalho é madrinha do Samba da Vela desde o ano de inauguração do projeto. O convite foi feito pelos integrantes Maurílio e Magnu, que também fazem parte do grupo de samba "Quinteto Branco e Preto", criado em 1997, com o qual Beth já havia tocado diversas vezes - a banda fez participações em CDs e turnês internacionais da artista.
Quando o Ziriguidum estava prestes a completar quatro meses de existência e o Samba da Vela ainda era pouco conhecido, a dupla resolveu convidar a sambista para conhecer a casa.
A visita rendeu. De acordo com Chapinha, na segunda-feira em que Beth Carvalho pisou pela primeira vez no Samba da Vela, havia 80 pessoas prestigiando a roda. Na semana seguinte, quase 800 lotaram o botequim. “Começou a espalhar a notícia da visita da Beth Carvalho. Todo mundo achava que ela ia toda segunda-feira. Ela até chegou a ir outros dias, mas não avisava, né?”, disse Chapinha.
Com a benção da Beth Carvalho e a competência dos integrantes, o projeto ganhou fama. Com um ano, o Samba da Vela já havia conquistado um grande púbico e, na noite do aniversário, o Ziriguidum recebeu cerca de mil pessoas para a comemoração.
Serviço
Samba da Vela
Toda segunda-feira
Horário: 20h45
Valor: contribuição voluntária de R$ 5
Local: Casa de Cultura de Santo Amaro - Praça Dr. Francisco Ferreira Lopes, 434 - Santo Amaro/SP
DIÁRIO DE BORDO
Ao chegar à Casa de Cultura de Santo Amaro, não sabia o que esperar. O que tinha de especial no Samba da Vela para ser tão popular - com tantos outros sambas em São Paulo?
Cheguei a imaginar algo grandioso, um grande bar com música ao vivo – com cerveja e caipirinha rolando a rodo. Algo bem diferente dos projetos que eu já havia visitado. Engano meu. O espaço é pequeno e não vende nenhum tipo de bebida. Na hora do samba, ninguém conversa. O que se ouve são os músicos, palmas e o coro do público.
Ainda eram oito horas da noite quando cheguei ao local. Além de mim, tinham outras quatro pessoas na porta. Do lado de dentro duas pessoas: um senhor na portaria e outro arrumando cuidadosamente as cadeiras em círculo em volta de uma pequena mesa.
Por volta das 20h20, os músicos chegaram à Casa de Cultura, e logo abriram os portões para o público. Eles sentaram em volta da mesa, afinaram os instrumentos e acenderam a vela. Pronto, o samba havia começado.
"Que a divina luz ilumine todas as criações", invoca Chapinha antes do samba.
Acendeu a vela
Composição: Paqüera/Edvaldo Galdino
Acendeu a vela, o samba já vai começar
ela é quem chama, que é viva a chama
pro povo cantar
A fé que não cansa
Mantém a esperança do nosso viver
O samba da vela está esperando você
Venha pra cá pra cantar
Venha pra cá pra se ver
Uma só voz embalar
Pra nunca mais esquecer,
Venha fazer a história
Venha com a gente aprender
O samba da vela está esperando você
A luz do samba reluz
Condiz à inspiração seduz,
a todos induz a união de irmãos
Queremos um canto forte
Pra ver o samba vencer
O samba da vela está esperando você.
Não cheguei a frequentar o samba nos tempos do Paquera, mas o Chapinha faz bem o papel de frontman do Samba da Vela. Com suas frequentes histórias e intervenções, sempre contadas de pé, e as belas interpretações das músicas, ele consegue passar energia e alegria para o público.
Entre um samba e outro, convidados eram apresentados e convidados a participar da roda. Dois, no entanto, roubaram a cena. A pequena Nicole, de 7 anos, que subiu na cadeira, pegou o microfone e cantou como gente grande.
O outro convidado, certamente com mais de meio século de diferença de idade, era o Sol da Vai-Vai. Uma figura simpática e aparentemente frágil, mas com uma das vozes mais imponentes que eu já escutei ao vivo. Com um samba quase à capela, conseguiu causar arrepios no público. Depois do samba, pediu licença para "se abastecer” no bar da esquina.
É impossível descrever o público do Samba da Vela. Haviam famílias, casais, playboys, rastafáris, negros, brancos, hipsters, tatuados... Tinha de tudo. Ao longo da noite, vi apenas duas pessoas entrarem com um copo de cerveja no local (compradas no bar da esquina).
Por volta das 22h30/22h40, a vela começou a dar seus últimos sinais de vida. A roda, que toca sentada, se levanta e toca até a última fagulha de luz. Eles se abraçam e o samba acaba.
Mas a festa continua. Pelo menos mais um pouco. Os participantes fazem fila para comer. Menu do dia: caldo verde e tabule (misturado com kibe cru). Tudo feito e servido, com sorriso no rosto, pela simpática Cidinha.
Fartos de samba e comida, todos vão para suas casas.
Recorte
José Marilton da Cruz, o Chapinha do Samba da Vela, nasceu em Mundaú, distrito de Uruburetama, no Ceará. Chegou em São Paulo com 16 anos e tornou-se uma das grandes referências do samba na capital.
Recém na Terra da Garoa, procurou conhecer os principais redutos do samba da cidade. Em 1978, chegou à quadra da escola de samba Vai-Vai, onde conheceu grandes nomes da música, como Oswaldinho da Cuíca, Geraldo Filme e Almir Guineto. Foi lá também que ele conheceu seu grande parceiro, Paquera, com quem fundou o Samba da Vela.
Foi apresentado à Ala de Compositores da Vai-Vai, em 1980, mas demorou dois anos para conseguir mostrar seu trabalho.
“É o chamado samba de malandro, sempre foi assim. O cara pode ser quem for, mas tem que esperar ser chamado. Ai eu era branquinho, nordestino, olho verde. Eu tentava mostrar algo, os caras falavam não. Ceará não tem sambista. Cearense não sabe sambar. Eles foram me enrolando e eu fui insistindo. Acabei ficando.”
Ficou e chegou a ser presidente da Ala de Compositores da Vai-Vai.
Em 1986, abriu seu primeiro bar de samba. O Bar do Chapinha, como era chamado, foi criado para suprir a falta de espaço para o samba na cidade. "Foi o primeiro Bar de Samba da Zona Sul", ele garante.
Chapinha contou que o samba era reprimido durante a Ditadura Militar Brasileira (1964 - 1985).
“Era proibido fazer samba aqui. A zona sul sempre foi tida como área da burguesia. Tem a Chácara Flora, Brooklyn, Marajoara e etc. Então era onde os donos de empresa moravam. Então eles não deixavam bater pandeiro por aqui”.
Por conta das drogas e a criminalidade da região, Chapinha decidiu fechar o bar em 1996 e ir morar em Sorocaba. Nesse período gravou seu primeiro álbum de sua carreira, o "Criança de Rua".
O disco não foi bem recebido pelas gravadoras e rádios, que diziam ser "muito tradicional" para o período - que vivia a efervescência do pagode melódico..
Foi só em 2000 que Chapinha voltou para São Paulo. Neste mesmo ano ele criou o Espaço Cultural Ziriguidum, um galpão em Santo Amaro com um bar no fundo. Foi ali, junto com Paquera, Magnu Sousá e Maurílio de Oliveira que nasceu o Samba da Vela.
Com o reconhecimento pela sua militância no samba, Chapinha tornou-se padrinho de algumas Comunidades de Samba de São Paulo, como o Pagode da 27, Samba da Laje e o Pagode do Cafofo.